A Verdadeira Energia Feminina Dos Vedas

Muito se discute, em nossos dias, a respeito da feminilidade ou masculinidade como conceitos espirituais transcendentes que indicam aquilo que Deus espera de cada um de nós. Entretanto, tais conceitos foram amplamente deturpados ao longo da história da humanidade. Mas o que os Vedas dizem sobre isso?

A Mulher Nos Vedas

A trindade Vishnu, Brahma e Shiva obtém o Seu Poder à partir de Devi, a Mãe Divina.

Nos Vedas, as mais antigas e veneradas escrituras sagradas reveladas à humanidade das tradições espirituais que permanecem vivas, datadas de pelo menos 1.500 a.C., e cujas algumas das formas da Divindade  podem ser encontradas desde a pré-história em tempos imemoriais. Os sábios afirmam com clareza, no Livro 10, Hino 125, que Devi, o princípio feminino que permeia todo o universo e sua essência profunda, é simultaneamente criadora, sustentadora e destruidora. Ela é a pura consciência, a Fonte de Todo o Poder — a Shakti, que envolve e sustenta toda a existência:

Eu sou a Rainha, a guardadora de tesouros, dotada de Consciência, a primeira das que merecem adoração. Assim, os Deuses me estabeleceram em muitos lugares com muitos lares para entrar e habitar. Somente por mim todos comem a comida que os alimenta, cada homem que vê, respira, ouve a palavra falada. Aqueles que são ignorantes de mim perecem, quem tem ouvidos, ouça, eu declaro aquilo que é merecedor de confiança. Eles não sabem, mas eu resido na essência do Universo. Ouçam, todos, a verdade como eu a declaro. Eu realmente declaro o que é correto aos deuses e homens; quem eu quiser, eu rendo. Eu faço o homem que amo extremamente poderoso, faço dele um sábio, um rishi e um brâmane.” — Rig Veda 10.125.3-5 (Devi Sukta)

Na tradição purânica, no capítulo 13 do Devi Bhagavata Purana, é revelado que o Senhor Vishnu, em um gesto de devoção e reverência, realizou uma cerimônia de sacrifícios à Mãe Divina, conhecida como Devi Yajna. Juntamente com a Trimurti — Brahma, Vishnu e Shiva — e por isso, ele recebeu os poderes necessários para a Criação. A partir da água do oceano primordial, que em sua essência pertence à Deusa, todo o cosmos veio à existência, trazendo à vida a vastidão dos seres sencientes e todas as paisagens onde vivem.

A revelação dos Vedas não foi concedida exclusivamente aos homens que os compilaram, conhecidos como rishis, mas também às mulheres que participaram ativamente de sua composição. Entre elas, destacam-se Lopamudra, Maitreyi e Ghosha. Nos Upanishads, as mulheres não apenas são mencionadas, mas também participam dos debates filosóficos, sendo reconhecidas como estudiosas, professoras e sacerdotisas. Entre as pensadoras destacadas nesses textos estão Gargi e Maitreyi. Deus confiou sua mensagem a homens e mulheres de forma complementar no passado.

Além disso, textos mais recentes, como o Shankaradigvijaya relata um debate entre Adi Shankara e a filósofa Ubhaya Bharati, ressaltando nos versos 9–63 que ela era profundamente versada nos Vedas, evidenciando a presença feminina no pensamento e na tradição espiritual védica.

 

Vênus de Wilendorf

O culto ao feminino é uma das formas mais antigas de espiritualidade da humanidade ainda na pré-História, se não a primeira.

O Feminino Na Astrologia Védica

No Jyotisha, a astrologia védica, chamada de “Os Olhos dos Vedas”, três planetas são classificados como femininos: a Lua, Vênus e Rahu, cada um representando aspectos distintos e multifacetados do feminino no contexto cósmico.

A Lua, no capítulo 3 do Brihat Parashara Hora Shastra, é associada à mulher em seu papel de mãe, indicando uma energia maternal pura e emotiva. Essa representação é amplamente reverenciada no Ocidente cristão através de Maria, Mãe de Deus, vista como a Segunda Eva. Na tradição védica, a Lua é personificada por Parvati, esposa de Shiva e mãe de Ganesha. Essa mulher é descrita como inocente, gentil, pouco interessada nas atividades sexuais ou em ambientes altamente estimulantes, com foco total na família e no bem-estar de seus filhos, sacrificando seus próprios interesses em prol do coletivo. Tais comportamentos são visíveis nas mulheres quando estão sob a ação da progesterona e da ocitocina.

Da esquerda para direita: o Senhor Shiva, seu filho no meio e sua esposa Parvati

Vênus, por sua vez, reflete a mulher em sua fase social, solteira ou recém-casada em sua juventude, em busca de harmonia e companhia. Ela é caracterizada por sua beleza, charme, arte, empatia e refinamento. Receptiva à opulência e ao luxo, Vênus também representa uma energia que se encanta pelo conforto, joias, música e pela busca do conhecimento. Em sua forma divina, é representada como Lakshmi, consorte de Vishnu, que simboliza a abundância e a harmonia.  Tais comportamentos são visíveis nas mulheres quando estão sob a ação do hormônio estrogênio.

A Deusa Lakshmi, consorte de Vishnu, que preside sobre o planeta Vênus

No capítulo 11 do Anu Parva do Mahabharata, a Deusa da riqueza e prosperidade, Lakshmi, afirma que sua divindade habita naquelas mulheres que são verdadeiras, sinceras, modestas, organizadas, devotadas ao marido e filhos, conscientes da saúde, pacientes e bondosas com os pais, sogros e hóspedes.

Rahu é frequentemente associado a um caráter disruptivo e revolucionário, também é um planeta feminino, mas com uma abordagem mais ousada e independente. Ele representa a mulher em sua face mais ambiciosa e inovadora, disposta a quebrar paradigmas e desafiar as expectativas sociais. Rahu é ligado à força, à fama e à prosperidade, frequentemente associada às deusas Durga e Kali, que são imponentes e destruidoras de demônios, agindo eficazmente no mundo material.

Durga, a Mãe Divina e sua forma irada Maa Kali

Curiosamente, no Jaimini Upadesha Sutras (4.3.9-12), Rahu é descrito como do sexo masculino no contexto de previsões sobre filhos, enquanto Ketu é feminino, mas a energia feminina de Rahu é um canal utilizado por essas deusas ferozes manifestarem sua ação no mundo, como vemos nas listagens de diferentes tratados.

Em diversas espécies animais, as fêmeas desempenham papeis ativos em várias etapas da reprodução e na manutenção do grupo. Na natureza, lobas, leoas, orangotangos, aves de rapina, pinguins-imperadores e elefantas desempenham papeis dominantes. Em colônias de abelhas e formigas, a rainha é a fêmea que rege a colônia. Alguns lagartos e cobras conseguem se reproduzir por partenogênese, onde a fêmea se reproduz sem a necessidade do macho. Simbolicamente, algumas mulheres na sociedade humana também possuem essa independência e força. Este arquétipo transgressor do feminino é amplamente explorado no Tantra e na visão matriarcal herdada dos povos dravidianos do Sul da Índia.

Todas essas três facetas pertencem à Mãe Divina: a Lua como mãe e nutridora, Vênus como amante e buscadora de beleza e prazer, e Rahu como a mulher revolucionária, destemida e independente. O feminino é uma expressão do Divino, responsável por dar forma, poder e eficácia ao Universo e a todos os deuses. Ela não é servil, nem menor, nem pecaminosa. Ela é pujante, poderosa, bela e próspera.

O feminino civiliza e humaniza os povos, ele mantém a qualidade das relações, estimula a misericórdia, a compaixão, a empatia, a colaboração, as artes, a vontade de crescimento, a família, a busca por segurança e o calor humano. Por isso, os principais planetas da espiritualidade se exaltam em signos femininos: Júpiter em Câncer e Vênus em Peixes.

A Complementariedade Dos Gêneros

A filha, ó rei, foi ordenada nas escrituras como igual ao filho.
— Bhishma, Anushasana Parva, Mahabharata 13.47.26

Todos nós temos aspectos masculinos, femininos e até eunucos dentro de nós, pois os diferentes planetas possuem gêneros distintos. Uma pessoa do sexo biológico fêmea pode ter uma conduta masculina e alguém do sexo biológico macho pode agir de forma feminina, ou ainda, mesclar ambos os aspectos comportamentais. O masculino e o feminino são forças complementares, o equilíbrio entre essas energias é o que permite a criação e sustentação do universo. Para os Vedas, homens e mulheres são iguais em direitos.

O masculino representa a estabilidade, a força física, o pragmatismo, a competitividade, a tomada de riscos e a manutenção da tradição. Ambos se entrelaçam em uma dança de interdependência, onde cada um contribui de sua própria maneira para a criação e manutenção do mundo, compartilhando responsabilidades.

Planeta Vênus

O planeta Vênus observado pelo telescópio

Parashara nos informa no Capítulo 3 do Brihat Parashara Hora Shastra que Vênus é responsável pelo vīrya. A princípio, de forma superficial, poderia se considerar que isso se refere apenas ao sêmen, às capacidades reprodutivas, conforme descrito em textos de Ayurveda. Assim como muitos astrólogos modernos dão uma ênfase bem grande a este planeta para definir a felicidade conjugal. No entanto, essa palavra carrega um significado muito mais amplo. Vīrya também pode ser traduzido, além disso, como virtude, caráter, heroísmo, poder, dignidade, compaixão e nobreza.

Uma Vênus muito fraca leva a pessoa a ter opiniões misóginas e visões servis da mulher, promiscuidade em ambos os sexos, falta de preocupação com a higiene e organização, mau cheiro, necessidade constante de validação, avareza, vida de aparências, percepção alterada dos fatos em determinadas situações, desentendimentos com devotos sinceros, rejeição da castidade, difamação e má língua, vícios, problemas súbitos de visão e doenças venéreas, dureza no olhar, delírio de grandeza, problema com mulheres, excesso de críticas a si mesmo e aos outros, além de uma convivência difícil.

Assim, como todos os Senhores da Trimurti reverenciaram juntos a Mãe Divina no Devi Yajna no alvorecer do tempo, o mestre espiritual verdadeiro deve respeitar e adorar a Deusa que há em todas as mulheres, que são encarnações da Deusa, sobretudo, aquelas que possuem fortes características dos planetas femininos aqui narrados, e é por isso também, os falsos mestres costumam cair com frequência em pecados sexuais, opiniões negativas do feminino, arrogância e falta de compaixão.

Brahma, mesmo cheio do conhecimento, sendo reconhecido como sendo o maior dos mestres, não é adorado exceto em um único templo, pois agiu de forma espúria com sua filha Shatarupa, e mesmo sendo Deus, é rejeitado na adoração. Vishnu e Shiva se mantém apaixonados e devotados às suas consortes e fontes de poder eternamente, e por isso, Devi permitiu que fossem adorados para sempre.

“Nenhum homem, mesmo com raiva, deve jamais fazer algo que desagrade sua esposa enquanto mantém o Dharma; pois felicidade, alegria, virtude e tudo mais dependem da mulher. A mulher é o solo sagrado no qual o marido renasce, mesmo os Rishis não podem criar homens sem mulheres.”
— Adi Parva, Mahabharata Livro 1.74.50-51

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2025-02-01T05:29:27+00:00

About the Author:

André Kërr é co-fundador da Academia Brasileira de Astrologia Védica e escritor best-seller na sessão “Espiritualidade” da Amazon Brasil. Ele é astrólogo védico, engenheiro de software, tradutor de livros clássicos e modernos da jyotisha, pesquisador da cultura indiana e desenvolve novas tecnologias para auxiliar a comunidade brasileira. Conhecedor das astrologias de Parashara, Jaimini, Brighu Nadi e KP.
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