Os dois seres são bastante diferentes, mas seus nomes são parecidos
Embora seja difícil diferenciar “Kali” em um texto quando se refere à Deusa Maa Kali ou ao demônio Kali que empresta seu nome à era da Kali Yuga, é possível diferenciá-los através do uso do IAST, pois são palavras que possuem sons diferentes aos ouvidos mais atentos.
O International Alphabet of Sanskrit Transliteration (IAST) é um sistema de transliteração do sânscrito utilizado para representar graficamente o alfabeto Devanagari em nossos caracteres e letras latinas. Através dele podemos perceber essas pequenas nuances de pronúncia como a existente entre estas duas palavras.
O sânscrito consta de quatorze vogais e trinta e três consoantes, as nuances de pronúncia chegam a ser imperceptíveis aos ouvidos desabituados. Consequentemente, muitos dos seus sons são irreproduzíveis em outros idiomas e nem sequer existem no português. Nem sempre o formato de transliteração do IAST é utilizado por aqui na internet, até mesmo pelos indianos nativos, pois é pouco compreendido pelos mecanismos de busca como o Google. Geralmente, os macrons, traços retos que indicam as vogais longas, como um acento agudo na língua portuguesa, são omitidos nos textos.
O brilhante e bem-humorado nutricionista ayurvédico e professor de sânscrito Yuri D. Wolf explica: “Não existem dois fonemas no sânscrito com o mesmo som. Apesar das semelhanças aparentes, estas duas palavras possuem vogais de duração distintas. O nome da Deusa é Kālī (Cá-alí), ou seja, seu nome é composto por vogais longas, já o demônio é chamado de Kali (Cali), pronunciado apenas com vogais curtas. Esta é a mesma diferença existente em palavras do português como cópia e copia ou ópera e opera.“
A Deusa Kali
OM KLEEM KALIKAYE NAMAHA
A Deusa Kali (काली), apesar da sua representação considerada macabra e pouco comum à nossa cultura ocidental, não é um ser maligno ou imoral. Longe disso. Kali é uma forma poderosa de Durga, criada quando os deuses uniram seus poderes para derrotar um demônio que aumentava de número toda vez que uma gota de seu sangue era derramada. Ela é uma das 10 mahavidyas, formas tântricas da Mãe Divina. Ela é a Deusa do Tempo e uma mãe muito dedicada aos seus filhos, trazendo proteção aos seus devotos contra inimigos humanos e espirituais.
Sua pele é negra como a matéria escura do Universo, ela carrega uma espada para lutar contra as forças malignas, uma cabeça decepada, um recipiente para coletar sangue e um gesto de bênção em suas mãos. Ela é a divindade de devoção do santo moderno Ramakrishna, uma figura central do Vedanta, que trabalhou como seu sacerdote. Na astrologia védica ela é associada ao planeta Saturno.
Kali Yuga E O Demônio Kali
Já o Kali Yuga (कलियुग) é uma fase da história da humanidade que, segundo a tradição hindu, é marcada por um período de decadência espiritual, de conflitos e destruição. É a era mais obscura e difícil da humanidade. O demônio Kali (कलि) está assentado no seu trono, alimentado pelas jogatinas, na matança de vacas, embriaguez e coberto de ouro.
Nesta era, somente a riqueza será vista como sinal de bom nascimento, o casamento durará apenas enquanto a atração durar, os estudiosos considerados eruditos serão aqueles que fazem malabarismos verbais, as pessoas farão trabalhos os quais não terão a ver com sua essência real, os debates serão vencidos por aqueles que falam mais alto e as pessoas não analisarão profundamente nenhuma questão, a vida máxima de uma pessoa será apenas de 120 anos e reduzirá cada vez mais.
Algumas tradições, como os Hare Krishnas, acreditam que estamos nesta era, enquanto outras acreditam que já alcançamos a transição para a Dwapara Yuga com o advento tecnológico, aumento da longevidade e chegada de novos movimentos espirituais. Essa segunda tese é defendida por autores como Yukteswar, Yogananda e Aurobindo. Para a astrologia, tal conhecimento é importante, pois essas mudanças alterariam a interpretação dos mapas védicos das pessoas nascidas nessa época em comparação com o período de desenvolvimento dos sábios na era védica e pós-védica.