Muitas pessoas que estão entrando em contato agora com a cultura e tradições védicas se perguntam como a Índia, sendo um lugar onde diversos saberes espirituais foram revelados, ainda pode manter visões preconceituosas de mundo, como um rígido sistema de castas. Neste artigo, veremos a verdadeira origem histórica desse problema, o que dizem as sagradas escrituras védicas e como a colonização britânica intensificou a corrupção deste conceito. O presente artigo foi extraído do capítulo “Castas e Carreiras” do livro “A Arte e a Ciência da Astrologia Védica” (बृहत् नवप्रभातम्).
Índice
Etimologia
No sânscrito original, a palavra “casta” é “varna”, que deriva da raiz da palavra “vṛ”, que significa “classificar” e “escolher”. No Rig Veda, essa palavra é usada para indicar a cor, aparência, natureza, forma, figura ou tamanho de algo. Esse termo refere-se a uma característica da natureza externa de nossos corpos, onde se expressam nossos karmas, e não se refere à nossa alma, que permanece intocada, perfeita e divina em si mesma. A natureza de nossa casta, ao contrário do que é comumente pensado, não vem de nossa linhagem de nascimento, mas sim da maneira como encaramos o trabalho e os valores que priorizamos, e não deve ser confundida com classe em seu sentido social.
Castas Impuras
Este é um assunto pouco compreendido tanto pelos ocidentais, quanto por aqueles dentre os indianos modernos que ainda carregam certos preconceitos, assim como muitos de nós também carregamos sobre outros grupos oprimidos. Segundo Patrick Olivelle, professor de religiões sânscritas e indianas no Departamento de Estudos Asiáticos da Universidade do Texas, nenhuma casta é intrinsecamente impura ou intocável em si mesma. Os textos dos Dharma Shastras não mencionam uma casta ou grupo de pessoas como sendo impuros por natureza; eles tratam da necessidade de rituais de purificação para a higiene do corpo e para atos imorais cometidos por indivíduos específicos, não por seus grupos. Dessa forma, veremos que, embora a existência de castas seja um fato nas Escrituras, nenhuma delas deve ser vista como inferior ou impura, mas sim como possuidora de uma aptidão especial para uma determinada classe de atividades econômicas.
Krishna Esclarece Tudo Sobre Castas
As castas, no seu sentido original, se referem à uma ferramenta do Autoconhecimento para decidirmos nossas ocupações profissionais e também quais condutas e valores devemos seguir para que possamos exercê-las da melhor forma possível, e não se refere a uma classificação hereditária de pureza ou impureza.
“Os brâmanes, xátrias, vaixás e sudras distinguem-se pelas qualidades que nascem de suas próprias naturezas de acordo com os modos materiais […] Tranqüilidade, autocontrole, austeridade, pureza, tolerância, honestidade, conhecimento, sabedoria e religiosidade — são estas as qualidades naturais com as quais os brâmanes agem. Heroísmo, poder, determinação, destreza, coragem na batalha, generosidade e liderança são as qualidades naturais das atividades dos xátrias. A agricultura, a proteção às vacas, e o comércio são as atividades naturais dos vaixás, e os sudras devem executar trabalho e serviço para os outros. Sujeitando-se às qualidades de seu trabalho, cada um pode tornar-se perfeito. Agora, por favor, ouça enquanto falo como é que alguém pode tomar essa atitude. Prestando adoração ao Senhor, que é a fonte de todos os seres e que é onipenetrante, o homem pode atingir a perfeição através da execução de seu próprio trabalho.” – Bhagavad Gita, capítulo 18:41-45
“Quando dividiram Purusha, quantas porções foram cortadas? O que foi chamado de boca ou braços? Os brâmanes são sua boca e seus braços são os xátrias. Suas coxas são os vaixás e dos seus pés vieram os sudras.” – Rig Veda 10.90.11–12
O Purusha é o homem cósmico que foi sacrificado no início do mundo para que dele nascessem os elementos que constituem o Universo. Esse Ser Divino é a origem comum de todos os seres criados, conferindo a todos uma origem divina igualitária, uma vez que todos os seres humanos foram criados a partir de Deus. No corpo do Purusha, as castas descem da boca até os pés, indicando o nível de conexão material que cada uma possui. Por exemplo, os brâmanes estão envolvidos em atividades intelectuais e espirituais, enquanto os sudras preferem atividades mais mundanas e práticas, buscando realizar méritos através de suas ações e sustentam toda a sociedade. Perceba que não existe originalmente o grupo dos dalits ou “intocáveis” nas Escrituras, pois é uma criação posterior do elitismo classista hindu.
Segundo as narrativas do Vishnu Purana, a nossa casta não é herdada de nossos pais, podemos citar o caso do grande rei Prahlada, filho do demônio Hiranyakashipu, que era uma pessoa santa e um grande devoto do Senhor Vishnu. Ao contrário dos outros asuras, nunca invejou ou amaldiçoou os devotos, não se agitava em perigo e não estava interessado em dinheiro, na verdade, ele era completamente desprovido de desejos materiais, tendo sido capaz de subjugar todos os seus desejos.
Vemos também em um trecho nos Vedas, onde uma mesma família é vista fazendo diferentes trabalhos, cada um segundo sua casta. No verso, o filho é um brâmane, o pai é um vaixá e a mãe pode ser categorizada como uma sudra ou vaixá.
“Eu recito hinos, meu pai cura, minha mãe trabalha moendo o milho. Nós obtemos dinheiro através de vários trabalhos.”– Rig Veda 9.112.3
A Colonização Britânica
A Índia de hoje, está bastante distante do período védico, onde um rico patrimônio cultural e espiritual foi revelado, descoberto e construído pelo sábio povo indo-ariano. Justamente, antevendo que haveria um período onde a sagrada Índia seria levada por todos os tipos de hábitos nocivos e malignos graças a influência do terrível demônio Kali, que inauguraria a Era da Kali Yuga, Veda Vyasa, filho de Parashara, compilou de forma escrita por volta de 1.5000 a.C., verdades sagradas até então transmitidas apenas oralmente através da sucessão discipular, prevendo que iriam se corromper. Logo, devemos lembrar que a Verdade das Escrituras foram distorcidas por conceitos corrompidos tardios, a Índia atual sofreu diversas invasões árabes e a terrível exploração e colonização britânica, e hoje, está em um processo onde busca se reerguer destas perdas, ainda sofrendo de sintomas causados por esses episódios históricos.
De acordo com David Cannadine, professor da Universidade de Princeton, mais tarde, após a colonização britânica (1857-1947), os bretões estabeleceram um sistema social estratificado da mesma forma como faziam em seu próprio mundo. O Reino Unido nunca experimentou a perda repentina de suas nobrezas, como ocorreu com a Revolução Francesa e em outros lugares que copiaram este modelo. A Inglaterra contava com uma pirâmide hierárquica onde havia na base da pirâmide: os servos, agricultores, yeomans, clérigos, homens de negócios, cavaleiros, barões, aristocratas e no topo, a família real§. Este modelo era imitado nos censos britânicos realizados na Índia. Essa divisão que foi replicada no período da colonização, facilitava o controle e dominação deste povo, dividindo-o através de seus interesses de classe e não por seus interesses nacionais.
Castas Na Índia Hoje
A Constituição Indiana desde 1950 proíbe a discriminação com base na casta de nascimento, porém esta opressão, criada pelo colonialismo, está arraigado há séculos e ainda é necessário um grande esforço para mudar as crenças retrógradas de muitos. Da mesma forma que as pessoas decentes do povo brasileiros, se esforçam ainda para erradicar o racismo dos séculos de escravidão africana. O governo indiano reconhece a importância de abordar as desigualdades de casta e tem implementado várias medidas socioafirmativas para combater a discriminação e promover a inclusão.
Uma das medidas mais importantes é a implementação de políticas de reserva, conhecidas como quotas ou ação afirmativa. Essas políticas reservam uma certa porcentagem de vagas em instituições educacionais, empregos do setor público e outros setores para membros de castas inferiores e grupos marginalizados. As cotas visam corrigir as desigualdades históricas e criar oportunidades para aqueles que historicamente foram marginalizados. O governo indiano também promove programas de desenvolvimento e bem-estar para comunidades de castas inferiores. Esses programas incluem esquemas de educação gratuita, distribuição de terras, empréstimos subsidiados, acesso a serviços de saúde e muito mais. Essas iniciativas têm como objetivo elevar o status socioeconômico das comunidades de “castas inferiores” e melhorar suas condições de vida.
Não é possível falar deste assunto, sem reconhecer as grandes contribuições do brilhante dalit Dr. B.R. Ambedkar, um nacionalista, jurista, economista, político e ativista social que lutou pelos direitos das mulheres e das castas baixas, principalmente os dalits, e ajudou a redigir a Constituição Indiana. Ele também foi o principal arquiteto do sistema de cotas na Índia. A Índia também elegeu o dalit K. R. Narayanan como presidente do país no final da década de 90, que desafiou as convenções sociais e alcançou um cargo de alto prestígio, demonstrando que a competência e o mérito não devem ser limitados pela casta. Além desses exemplos, há muitos outros líderes, ativistas e intelectuais de castas inferiores que se destacaram em várias esferas da sociedade indiana. Suas contribuições têm sido essenciais para elevar a conscientização sobre a discriminação de castas e promover a inclusão social no país. No entanto, apesar desses avanços, ainda há muito a ser feito para alcançar uma sociedade verdadeiramente igualitária e livre de discriminação de castas na Índia.
As Habilidades De Cada Casta
Todos os tratados de astrologia védica associam tanto planetas como signos às quatro castas originais, considerando-as não no contexto de hereditariedade, mas como uma propensão a conseguir executar determinados tipos de trabalho.
“Júpiter e Vênus são os sacerdotes brâmanes, o Sol é a realeza xátria, enquanto a Lua e Mercúrio são os vaixás e Saturno são os trabalhadores sudras.” – Trecho do BPHS, capítulo 3
Brâmanes
“Tranqüilidade, autocontrole, austeridade, pureza, tolerância, honestidade, conhecimento, sabedoria e religiosidade” – Krishna sobre os brâmanes
Professores, sacerdotes, economistas, publicitários, acadêmicos, psicólogos e astrólogos. Eles administram os bens dos outros, ensinam e buscam a verdade, especialmente se for o signo de Sagitário e Peixes. Já os que possuem Libra e Touro, podem ensinar, mas focam nos elementos artísticos e sensoriais. Touro também é habilidoso na agricultura, artes e alimentação. Os planetas Júpiter e Vênus indicam esta casta, ambos são capazes e hábeis para ensinar, porém Vênus possui dons artísticos e de curar.
Xátria
“Heroísmo, poder, determinação, destreza, coragem na batalha, generosidade e liderança” – Krishna sobre os xátrias
Estes são líderes naturais, podem ser burocratas, militares, engenheiros, reis e empreendedores. Áries, Escorpião e Leão são signos associados a esta casta. Leão pode possuir dons artísticos e de estética, Escorpião pode ser habilidoso em curar e assumir cargos burocráticos, e Áries são figuras de empreendedores ou habilidosos com máquinas. Sol e Marte indicam esta casta.
Vaixá
“A agricultura, a proteção às vacas, e o comércio são as atividades naturais dos vaixás” – Krishna sobre os vaixás
Esta é a tradicional casta dos comerciantes, eles costumam utilizar as emoções e a capacidade de comunicação para exercer sua profissão, são também curadores. O signo de Câncer pode ser um comerciante, psicólogo e educador; Gêmeos e Virgem sugerem pessoas comunicativas, multitarefas e que trabalham com contabilidade, comunicação, saúde ou escrita. Mercúrio e Lua indicam esta casta, porém Mercúrio tem dons médicos e contábeis, enquanto a Lua possui apenas dons de cura. Em certos casos, Mercúrio pode indicar um oraculista.
Sudras
“Os sudras devem executar trabalho e serviço para os outros” – Krishna sobre os sudras
Eles valorizam o mérito, o trabalho duro e a mão na massa, possuem uma grande preocupação a nível social, costumam preferir trabalhos seguros, se beneficiam dos governos, cargos públicos, do mercado de construção. Saturno indica esta casta e Capricórnio e Aquário são os seus signos. Não devemos esquecer que na atualidade, Marte em Aquário está conectado à agricultura.
Sem Casta
“Rahu rege os que estão fora das castas, enquanto Ketu governa os pertencentes a casta mistas.” – Trecho do BPHS, capítulo 3.
Na sociedade védica temos também os que optaram por não pertencer a nenhum tipo de casta. Rahu e Ketu são os planetas responsáveis por isto. A eles pertencem a inovação em todos os ramos da sociedade, se existem múltiplos idiomas, religiões e opiniões se devem a estes nativos. Rahu pode indicar um metalúrgico, alguém do audiovisual, alguém que importa e exporta produtos de outros países, que trabalha em alfândegas, lugares onde se fabrica produtos químicos, tecnológicos e farmacêuticos. Temos também Ketu, que indica as pessoas que trabalham com pessoas já aposentadas, alguns tipos de funcionários públicos, pessoas que fazem trabalhos sociais, que traduzem e ensinam idiomas, os terapeutas, monges, psicólogos, profissionais dos recursos humanos, biólogos, hipnólogos, dentre outros profissionais.
Encontrando A Nossa Casta
Nossa casta é encontrada através do regente do signo da casa 1 do Navamsha (swamsha). Esta é a forma que vemos nossa vida e o que priorizamos nela. Durante o dasha desta casa 1 podem ocorrer mudanças profissionais. A casa 5 também registra nossas habilidades e áreas de estudo, por isso o dasha de seus planetas e regentes indicam mudanças. Durante dashas associadas a Rahu e Ketu podemos ter trabalhos desconectados de nossa casta de nascimento, adotando profissões associadas a eles e aos seus signos.
